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Bibliotecas e aeroportos

data-filename="retriever" style="width: 100%;">No livro Contos de Cães e Maus Lobos, do escritor português Valter Hugo Mãe, ele sentencia: "As bibliotecas deviam ser declaradas da família dos aeroportos, porque são lugares de partir e de chegar. Os livros são parentes diretos dos aviões, dos tapetes-voadores ou dos pássaros. Os livros são da família das nuvens e, como elas, sabem tornar-se invisíveis enquanto pairam, como se entrassem dentro do próprio ar, a ver que existe para depois do que não se vê. O leitor entra com o livro para depois do que não se vê. O leitor muda para o outro lado do mundo ou para outro mundo, do avesso da realidade até ao avesso do tempo. Fora de tudo, fora da biblioteca. As bibliotecas não se importam que os leitores se sintam fora das bibliotecas. As bibliotecas só aparentemente são casas sossegadas. O sossego das bibliotecas é a ingenuidade dos ignorantes e dos incautos. Porque elas são como festas ou batalhas contínuas e soam canções ou trombetas a cada instante. E há invariavelmente quem discuta com fervor o futuro, quem exija o futuro e seja destemido, merecedor da nossa confiança e da nossa fé".

Começo este texto assim em homenagem ao Dia do Leitor, que foi 7 de janeiro. Isso porque acredito que a literatura pode nos salvar, que a arte pode nos salvar. Salvar do ódio, da intolerância. A literatura, seja no livro, no teatro, na música, me faz ter esperança de um mundo melhor, não vou desistir. Um indício do quanto estamos doentes pode ser justamente a quantidade de farmácias x quantidade de bibliotecas em nossa cidade. E mais, do quanto nos importamos com isso.

Respirar, comer, dormir nos faz sobreviver, mas queremos e somos mais do que isso. A condição da nossa humanidade vem da relação com o outro, com o mundo. E a gente que não pode viver muitas vidas, pode ler estas muitas vidas. Então, à medida que a gente entra dentro das obras, quadros, filmes, livros, alargamos nosso horizonte de compreensão, de sensibilidade e ampliamos nossa condição humana. A gente se humaniza.

E por falar em humanizar, acabei de ler O Filho de Mil Homens, também do Valter Hugo Mãe. Pura poesia. O escritor tem uma habilidade ímpar para contar histórias através de uma prosa poética inconfundível. De um lado, traça um retrato poético da vida, de outro, expõe a hipocrisia e o falso moralismo da sociedade, a falta de empatia com as diferenças e a forma cruel com que muitas pessoas são julgadas simplesmente por não se enquadrarem nos padrões tradicionais.

Através de uma costura perfeita nas pequenas histórias que se alternam e se sucedem umas às outras, ele vai nos apresentando personagens simples que buscam suas realizações e o maior anseio da alma humana, o amor. Literatura sensível que nos faz refletir sobre a necessidade do amor e da urgência da vida, que se mostra efêmera e finita.

Como diz o filósofo Mario Sergio Cortella, a vida pode até ser curta, o que ela não pode é ser pequena. 

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